Igreja da Misericórdia Igreja da Misericórdia

De linhas muito simples, com um interior de nave única e altar-mor elevado, a igreja segue a configuração mais usual dos templos das Misericórdias. As paredes são decoradas com um silhar de azulejos azuis e amarelos de padrão "tapete" seiscentista, nos nichos ao longo da nave, encontramos diversas esculturas sacras em madeira e na parede fundeira da capela-mor está o belíssimo retábulo maneirista, datado da segunda metade do século XVI. Está adossada entre o C.A.I.I. e o edifício dos Paços do Concelho.

Foi em 1564, nove anos após a fundação da Irmandade da Misericórdia, que o provedor Nuno Furtado de Mendonça em conjunto com os irmãos assentaram o início das obras de remodelação da antiga capela medieval que serviria de apoio ao antigo hospital de Santa Maria de Almada e deliberaram por obras de ampliação executadas pelo mestre pedreiro Pedro Gomes (que também fez o frontal da igreja), entre as quais se destacam: a retirada do arco de dentro com o intuito e que a casa se fizesse toda uma; a troca entre a porta de entrada e o altar e dando lugar aqui a uma nova porta com acesso para a praça que dava para a rua do castelo.

 Após estas obras, a igreja foi benzida por D. Jerónimo Pereira, com a solenidade devida à casa de Deus a 18 de outubro de 1567. Sucessivas remodelações foram executadas, a primeira no ano de 1574 pelo pedreiro João Nunes que fez obras no altar, nas escadas e grades. Em 1594, na provedoria de Manuel de Sousa Coutinho executou-se a guarnição do telhado à mourisca e do alevantar das paredes, realizadas pelo irmão da Misericórdia Gaspar Gonçalves.
 

O terramoto de 1755 deixa-a seriamente danificada, ficando de pé apenas uma das paredes laterais, o altar-mor com o retábulo e a fachada. A reconstrução iniciou-se a 6 de Dezembro de 1756 e foi concluída em 1758. As obras de carpintaria do forro do teto, do guarda-vento da igreja, foram executadas pelo mestre carpinteiro Inácio Monteiro Alves. Colaboraram também os mestres pintores José Nunes e João Gomes Baptista. Terá sido nesta altura que se prolongou o espaço da igreja, fazendo-a acompanhar o traçado da rua e conferindo-lhe a forma ligeiramente obliqua que a caracteriza e mantém até hoje.

Ao longo do séc. XIX e princípios do séc. XX, fizeram-se pequenas obras, pressupondo-se terem sido efetuadas alterações de revestimentos nas paredes, teto e pavimentos. Já na segunda metade do séc. XX, em 1963, regista-se a substituição do soalho do piso do corpo central, mandado executar pelo administrador do hospital distrital de Almada, o qual foi removido e não reposto nos anos oitenta, quando a igreja foi alvo de escavações arqueológicas (com exceção da entrada e do altar-mor). Mais tarde, para possibilitar a circulação e o uso da igreja, a Santa Casa optou por colocar pranchas de aglomerado de madeira, pensando ser uma solução provisória, no entanto, tal não se veio a concretizar e assim permaneceu até janeiro de 2013.

Finalmente, em 2009 a Misericórdia de Almada em parceria local com a Câmara Municipal de Almada candidatou-se a fundos do QREN, no âmbito do PORLISBOA -Eixo Prioritário 3 - Política de Cidades – Parcerias para a regeneração urbana. A obra foi financiada em 65% pelo PORLISBOA e o restante da despesa suportada pela Santa Casa. A empreitada iniciou-se em Janeiro de 2013 e, atendendo à importância do trabalho em causa e com o objetivo de preservar as características que levaram à classificação da igreja como Monumento de Interesse Público (Portaria n.º 404/2013), a conservação e restauro foi pensada de forma a respeitar o trabalho original e a garantir a sua conservação futura.

A igreja foi alvo de uma intervenção cuidada, que visou a conciliação do espaço, retirando do seu interior os elementos arquitetónicos que adulteravam o desenho original da igreja, como o guarda-vento. Retiraram-se igualmente, as pranchas de madeira e a areia colocadas nos anos oitenta, revelaram sete lápides tumulares de figuras da história da Misericórdia, benfeitores e fundadores da irmandade como Francisco Caldeira Freire, Lourenço Caldeira, Duarte Rodrigues ou Miguel Pinheiro, este último capelão de D. Jorge de Lencastre, mestre da Ordem de Santiago. Simultaneamente houve um extenso trabalho de conservação e restauro quer dos elementos decorativos como construtivos. A obra foi pautada por ações que respeitaram os conceitos, os métodos, as técnicas e as boas práticas de reabilitação do património.

Retábulo

O retábulo pictórico, que se encontra na igreja da Misericórdia, é da autoria de Giraldo Fernandes do Prado e foi executado em 1590 por encomenda do provedor Francisco de Andrada, cronista-mor do reino.

De invocação mariana, é composto por seis pinturas a óleo sobre madeira de carvalho. Estas retratam cenas da vida da Virgem Maria, uma das quais é a Visitação de Nossa Senhora a sua prima Santa Isabel, pintura central do painel. Esta cena encontra-se em destaque por ser Nossa Senhora da Visitação a padroeira da Misericórdia de Almada, escolhida pelos irmãos da confraria porque nesse dia fez Nossa Senhora misericórdia quando visitou sua prima.

Segundo o historiador Vítor Serrão, trata-se do único e belo exemplar de pintura maneirista em Portugal existente no concelho de Almada e no distrito de Setúbal, e que ainda se encontra completo no seu lugar de origem. Neste notável conjunto de tábuas do retábulo, distingue-se o estilo de figura, o modelo de rostos, o modo de gizar tecidos e quebrar volumes, a liberdade de aberturas ao paisagismo e o rasgamento de segundos planos. O trabalho foi executado entre os meses de março e dezembro de 1590. A obra de marcenaria foi encomendada ao mestre Henrique Antunes e o trabalho de douramento foi entregue aos pintores-douradores lisboetas Francisco Rodrigues e Luís Álvares de Andrade, o Pintor-santo.

Giraldo de Prado (1535?-1592), pintor-cavaleiro, natural de Guimarães e, desde os princípios da década de 1580, residente na vila de Almada, praticava a arte da pintura como arte liberal, mais do que como profissão corrente, mesmo assim a sua arte ficou célebre entre os mais eruditos com os quais convivia. (...). Segundo Vítor Serrão (2004, p. 274 e segs.), Giraldo de Prado foi um talentoso pintor quinhentista, muito influenciado por modelos maneiristas italianizantes de Gaspar Dias e outros mestres de Lisboa. Em 1585, o pintor é nomeado pelo duque de Bragança, D. Teodósio II, e pai do futuro D. João IV, cavaleiro da sua casa ducal, recebendo uma mercê consubstanciada em 650 rs. ao mês para sustento da sua moradia em Vila Viçosa, acrescido de um alqueire de cevada diário para o seu cavalo, no âmbito dos serviços prestados e a prestar ao senhor duque, conforme o estipulado pela Ordenança da Casa. O pintor declara-se morador na vila de Almada, o que deduz frequentes deslocações dessa vila para a sede da casa ducal. Giraldo de Prado é referenciado, como testemunha, em vários atos notariais. Registam-se, por exemplo, duas cartas de 1589, uma de aforamento de umas casas de moradia (junto ao solar dos Sousa Coutinho) em três vidas, pertencentes ao nobre Manuel de Sousa Coutinho e sua mulher D. Madalena de Vilhena, moradores em Almada, a Giraldo de Prado; e outra de venda de pardieiros e quintal sitos na rua do Campo, em Almada, feita pelo nobre Francisco de Azevedo, moço de câmara de el-rei, e sua mulher Isabel Vilela a Giraldo de Prado. Esta dita propriedade era foreira à albergaria de São Lázaro, pertencente à Santa Casa da Misericórdia de Almada. Neste tempo, Giraldo de Prado tem, como criado, o pintor André Peres (desde 1586), ambos moradores na vila de Almada. Giraldo de Prado faleceu na vila de Almada, a 24 de Julho de 1592, e foi enterrado na igreja de Sant'Iago com a tumba da casa e acompanhamento da irmandade, dando de esmola mil rs. para socorrer os pobres. (FLORES, A.; COSTA, P., «Giraldo Fernandes de Prado», in Flores, A.; Costa, P., Misericórdia de Almada: das origens à restauração, 2006, pp. 120-124).